Migalhas eleitorais

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Fallacies do not cease to be fallacies because they become fashions.
G. K. Chesterton

Desde ontem, dia do debate entre os dois candidatos à prefeitura de São Paulo, fervilha na internet uma pletora de comentários sobre a “tensão”, os “ataques” e outros clichês jornalísticos que servem bem para esconder a falta de dois ou três dedos de espessura reflexiva.

Não vou apontar links para este ou aquele comentário porque simplesmente não há necessidade. A esmagadora maioria gira em torno do fato de a candidata do PT ter levantado questões sobre a vida pessoal do candidato adversário. É sobre isso que quero dar uma ou duas palavras:

1. Do ponto de vista eleitoral, a estratégia de Marta (ou de sua equipe) não foi acertada. Certo está Kassab ao dizer que o povo não quer saber disso, mas sim das propostas que são o que verdadeiramente interessam para a cidade. Assim, talvez venha daí o impulso decisivo que pode levar o atual prefeito à reeleição.

2. Por isso que é possível dizer claramente que quem erra, para além das questões eleitorais, é o povo. Se a posição de Marta é errada para os fins a que se pretende, a do povo, em geral, é moralmente errada. Note-se bem que não interessam aqui quem são os candidatos ou suas posições nas pesquisas. O que é fundamentalmente incorreto é o tipo de reflexão e julgamento por trás de toda essa história.

Todo esse acontecimento só vem reforçar a falácia que tem como princípio uma bizarrice modorrenta, a saber, que política e valores estão radicalmente separados. Só tolos devoradores de notícias jornalescas tomam esta ruptura como óbvia. Quero tomar outro exemplo tirado dos fatos do dia: ontem, na parada gay do Rio, o candidato Fernando Gabeira assinou uma carta de intenções dizendo que, caso seja eleito, “a prefeitura reconhecerá a união civil de pessoas do mesmo sexo para efeitos de pagamento de pensão e benefícios decorrentes aos servidores do município”.

Novamente, não interessa o fato em si, mas o valor de fundo. A assinatura do candidato, que exprime um compromisso quanto a um possível projeto de seu mandato, tem raízes profundas nas convicções e valores pessoais de Gabeira que, obviamente, terão um desdobramento em sua administração pública. Ora, para quem, também por valores pessoais, rejeita tal projeto, é de extrema importância saber o que pensa o candidato, não apenas em relação a políticas públicas mas em relação às opções valorativas que se desdobrarão em tais políticas. Ainda que ele não tivesse tornado seu valor um fato público, por meio da assinatura, eu poderia achar altamente relevante saber o que pensa o candidado acerca de valores que prezo ou des-prezo.

3. Em São Paulo, um ex-jogador de futebol foi eleito para vereador. O mote de sua campanha era “corinthiano vota em corinthiano”. O vereador Dinei tem razão. As pessoas são bastante receptivas a este tipo de argumento quando o espírito de corpo se dá entre membros da mesma classe, seja ela de torcedores ou, num outro nível, de profissionais, habitantes do mesmo bairro etc. Ninguém acha absurdo um médico que vote em médico ou um professor que vote num colega. Sem falar das assim chamadas “minorias”. O argumento é altamente utilizado numa eleiçãozinha aí, lá pelo norte das Américas… Mas quando essa comunidade se dá em torno de certas práticas ou valores, como por exemplo os religiosos, o eco se transforma automaticamente em “ideologia” ou estupidez pura e simples.

Como é previsível, o que subjaz nestes casos é aquela cisão a laser entre política e valores. Mas então, é realmente proibido pensar nisso porque o povo não está interessado???

G.

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Uma resposta to “Migalhas eleitorais”

  1. Migalhas eleitorais | Inter-Esse Says:

    […] sobre a “polêmica” suscitada pela estratégia da campanha de Marta. Veja […]

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